Praticamente metade (49%) das prefeituras do país não tinha, em 2024, estrutura organizacional para políticas de segurança alimentar e nutricional, ou seja, um órgão público municipal específico para tratar da fome.
A mesma situação acontece em relação à existência dos conselhos de segurança alimentar e nutricional ─ instância que promove a participação da sociedade civil nas diretrizes de combate à fome. Apenas 51% dos municípios declararam a presença desses espaços de diálogo e decisão.
As constatações fazem parte da Pesquisa de Informações Básicas Estaduais e Municipais, divulgada nesta sexta-feira (7) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os pesquisadores traçaram um perfil das estruturas dos governos estaduais e das prefeituras para segurança alimentar e nutricional.
Organização
Dos 5.544 municípios que prestaram informações ao IBGE, 2.826 declararam ter estruturas como secretarias exclusivas ou subordinadas a outras áreas, por exemplo.
Apesar de praticamente metade das prefeituras não ter essas estruturas, o dado revela avanço em relação a 2018, quando 36,6% dos municípios tinham declarado a existência desses órgãos. Em 2023, eram 50,3% deles.
A gerente da pesquisa, Vania Maria Pacheco, aponta que os dados representam um “bom caminho” no enfrentamento à fome.
“Mesmo com números modestos, é um bom indicativo da presença da política nos municípios, da importância dessa política para esses municípios”, avalia.
O IBGE identificou relação entre o porte populacional dos municípios e a presença de estrutura organizacional de combate à fome. Entre as cidades com até 5 mil habitantes, 39,6% tinham as instâncias. A proporção é crescente à medida que aumenta o porte da cidade. Nas que tinham mais de 500 mil moradores, o índice chega a 91,7%.
Já entre as unidades da federação, todas as 26 que prestaram informações ao IBGE declararam ter instituições de segurança alimentar e nutricional. O levantamento não traz dados de Rondônia, que não repassou informações aos pesquisadores.
Conselhos com sociedade civil
Em relação aos conselhos de segurança alimentar, a presença em 51% dos municípios em 2024 também representa avanço em relação a anos anteriores. Em 2018, eram 36,4%, passando para 44,9% em 2023.
No entanto, os pesquisadores identificaram que, dos 2.851 municípios que declararam a existência do órgão no ano passado, apenas 1.826 encontravam-se ativos, isto é, com um mínimo de reuniões regulares.
“O conselho tem que existir, mas tem que estar ativo, ou seja, realizando reuniões, sendo ativo na política”, frisa Vania Pacheco.
Entre as unidades da federação, todas apresentaram conselhos de combate à fome que promoviam a participação da sociedade civil.
Legislação
O levantamento do IBGE aponta que apenas pouco mais de um terço dos municípios tem leis próprias de segurança alimentar. Em 2018, 20,9% das cidades tinham lei municipal nesse sentido, parcela que chega a 36,3% em 2024.
Em relação a plano municipal de combate à fome, somente 394 municípios (7,1%) detinham o instrumento com diretrizes e ações municipais com objetivo de respeitar, proteger, promover e prover o direito à alimentação adequada para todas as pessoas.
Em 2023, o IBGE tinha apontado 18,8% das prefeituras. Mas, de acordo com a pesquisadora Vania Pacheco, as informações estavam superdimensionadas pelos informantes.
“A informação foi prestada equivocadamente. Esse plano não existia [em 2023] ou ele ainda estava em planejamento, em elaboração”, explica.
Ações práticas
Ao levantar dados sobre ações práticas de segurança alimentar, o IBGE constatou que 3.985 municípios (71,9% dos respondentes) desenvolviam ações de promoção do acesso da população a alimentos, da seguinte forma:
- 94,6% distribuíam cestas básicas
- 22,7% ofereciam refeições prontas
- 10% distribuíam benefício monetário
- 6,2% ofereciam vale-alimentação
- 14,5% outras formas
A pesquisa identificou também que 78,7% dos municípios lançavam mão do Benefício Eventual da Assistência Social, uma espécie de ajuda temporária em caráter emergencial para pessoas em situação de insegurança alimentar, seja em forma de cesta básica ou benefício monetário, por exemplo.
Agricultura familiar
A agricultura familiar é um modo de produção que ajuda estados e municípios nas políticas de segurança alimentar.
À exceção do Tocantins e de Mato grosso do Sul, as demais 24 unidades da federação que forneceram dados aos IBGE relataram a compra de alimentos provenientes da agricultura familiar. Entre os municípios, mais da metade (54,9%) adotava a prática.
A maior parte desses alimentos (81,1%) era destinada a redes socioassistenciais. As demais partes da produção familiar adquirida eram direcionadas a restaurantes populares, cozinhas de hospitais, cozinhas comunitárias, bancos de alimentos, mercados públicos e sacolões.
Restaurantes populares
Para traçar o perfil de estados e municípios, o IBGE coletou informações sobre a presença de equipamentos relacionados a segurança alimentar e nutricional.
Os pesquisadores identificaram que 3,8% das cidades declararam ter restaurantes populares. Eram 212 cidades nas quais funcionavam 329 desses estabelecimentos.
Nesses restaurantes, as refeições eram fornecidas de graça ou custando no máximo R$ 10. Entre as cidades com mais de 500 mil habitantes, 66,7% tinham as unidades populares.
Já os bancos de alimentos – locais que recebem gêneros alimentícios de doações ─ foram encontrados em 226 municípios, representando 4,1% dos respondentes. Cerca de 70% deles funcionavam cinco dias por semana.
Em relação aos equipamentos, como o IBGE não tem informações de anos anteriores, não foi possível fazer comparação entre períodos.
Para Vania Pacheco, a presença de ações e equipamentos é um indicativo da política de segurança alimentar “marcando presença nos municípios”.
“É uma esperança minha que esses equipamentos se tornem cada vez mais presentes, em um número maior de municípios, e forneçam alimentação segura e saudável para esse quantitativo de pessoas que, muitas vezes, são pessoas em vulnerabilidade”, diz.
Fora do Mapa da Fome
Em julho deste ano, um relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO/ONU) apontou que o Brasil deixou o chamado Mapa da Fome. O país está abaixo do patamar de 2,5% da população em risco de subnutrição ou de falta de acesso à alimentação suficiente.
O Brasil já tinha alcançado esse patamar em 2014, mas retornou ao Mapa da Fome no triênio 2018/2020.





