Alteração de gênero para não binário pode ser pedida em cartório extrajudicial de João Pessoa

O caso inédito na Paraíba teve início há um ano no 12º Ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais, no bairro de Mangabeira, na Capital, procurado por uma pessoa determinada a retificar seu gênero para não binário (alguém que não se enquadra nem como masculino nem como feminino).

Na ocasião, ante o ineditismo do pedido, os limites da jurisprudência atual e os direitos da população LGBTQIA+, a registradora civil Anna Cecília Cunha formalizou uma dúvida registrária ao juiz corregedor permanente, Romero Carneiro Feitosa.

MP só vê possibilidade para 2 gêneros

O Ministério Público, em parecer subscrito pela promotora de justiça Tatijana Lemos, referenciou decisão do Supremo Tribunal Federal e normas do Conselho Nacional de Justiça, no sentido de que a alteração de gênero no registro civil só pode ocorrer para os gêneros “masculino” ou “feminino”. Segundo ela, não há respaldo jurídico que permita incluir o gênero “não binário” em cartório e opinou pela impossibilidade da alteração administrativa para o referido gênero, portanto, em concordância com a registradora civil.

O magistrado, no entanto, adotou um posicionamento diferente. Ele não deferiu imediatamente a retificação, mas também não negou a possibilidade, ou seja, a Justiça só deve atuar se o pedido for de fato recusado de forma definitiva pela via administrativa. Assim, a Serventia deve aceitar o requerimento, analisar conforme as regras do CNJ e, apenas em caso de nova negativa, o assunto voltaria para decisão judicial.

Legitimidade da identidade de gênero

Na sentença, Romero Carneiro Feitosa destacou que a não-binariedade é uma identidade de gênero legítima, que representa pessoas que não se identificam exclusivamente como homem ou mulher. Ele também lembrou que o STF já reconheceu o direito à mudança de prenome e gênero para pessoas trans, independentemente de cirurgia ou decisão judicial, e que isso abre espaço para interpretações mais inclusivas, como as adotadas por tribunais locais, a exemplo da própria Corregedoria do Tribunal de Justiça da Paraíba.

O Provimento nº 89/2023 do TJ-PB, aliás, já prevê expressamente a possibilidade de pessoas não-binárias realizarem esse tipo de alteração nos cartórios extrajudiciais do estado. Porém, o CNJ, ainda restringe essa alteração aos gêneros binários. É exatamente nesse ponto que a divergência surge — e que o juiz Romero buscou resolver de forma equilibrada, devolvendo ao cartório a responsabilidade pela primeira análise do caso.

Decisão abre caminho

Assim, a decisão judicial não encerra o pedido, mas abre caminho para que ele seja discutido na via administrativa, o que representa um avanço simbólico e importante. O caso dessa pessoa interessada pode se tornar referência para outras pessoas não-binárias que buscam ter sua identidade reconhecida oficialmente, mesmo diante de uma legislação que ainda caminha lentamente nesse sentido.

Cândido Nóbrega/Ascom Anoreg-PB

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