Lula também comentou a relação dele com Tarcísio de Freitas (Republicanos), criticando os ataques do governador de São Paulo ao STF.
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Adriana Araújo: A gente grava essa entrevista na manhã desta quinta-feira (11), portanto, antes da retomada do julgamento no Supremo Tribunal Federal. Presidente, eu quero começar justamente pelo julgamento. O placar é de 2 a 1, neste momento, dois pela condenação do ex-presidente Bolsonaro e um pela absolvição. E o voto do ministro Luiz Fux foi muito contundente. Abriu uma profunda divergência. Na visão do ministro, não há qualquer prova que incrimine o ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe ou por abolição do Estado Democrático de Direito. Eu queria a sua avaliação.
Lula: Eu não posso ter uma opinião pública sobre o voto de cada ministro. Não é recomendável um presidente da República ficar dando palpite sobre o voto de um ministro da Suprema Corte. Eu tenho uma tese pessoal, mas eu não posso dar. Eu acho que a Suprema Corte vai decidir com relação aos autos do processo, e cada ministro entenda aquilo que ele entender, dê o voto que queira dar. Sabe? Eu espero que o processo não seja um processo contra um homem. Você não está julgando um homem pelo fato de ele ser um homem, de ter sido ex-presidente. Você está julgando o comportamento desse homem com relação à democracia do país.
Nota da Redação: Bolsonaro foi condenado a 27 anos de prisão
Adriana Araújo: O senhor me permite insistir?
Presidente Lula: Então, Adriana, eu só acho que, se a motivação da absolvição ou da condenação forem, sabe, os autos do processo, está bem feito.
Adriana Araújo: Eu só preciso insistir por meu dever de ofício, porque o senhor já se manifestou, publicamente, várias vezes, dizendo que, no dia 8 de janeiro, houve uma tentativa de golpe no nosso país, em que Jair Bolsonaro não se conformava com a derrota nas urnas e, por isso, tentou o golpe. E ontem, o ministro Fux disse que não há nenhum vínculo de Bolsonaro com os manifestantes de 8 de janeiro. Chamou esses manifestantes de “vândalos frustrados” e absolveu.
Lula: Se eu fosse juiz, eu tinha um voto para dar, mas eu posso te dizer o seguinte. Primeiro, o Bolsonaro tentou dar um golpe neste país. Ele tentou dar um golpe. Tem dezenas e centenas de provas de atos, de falas, de discurso, de material por escrito, de tudo que ele tentou fazer, a ponto dele tentar, sabe, trabalhar a tentativa da morte do presidente da República eleito, do vice-presidente e do próprio Alexandre de Moraes. Isso tem mais do que prova. Agora, cada juiz vê aquilo que quer ver. Eu só acho que os juízes têm que ver a verdade. Se a verdade estiver nos autos e aquilo estiver comprovado, é assim que as pessoas vão ser julgadas.
Eu, de qualquer forma, espero o veredito e acho que a gente tem que ter em conta o seguinte: este país não pode permitir que quem quer que seja tente ferir o Estado de Direito Democrático deste país. O ex-presidente teve um comportamento, ao longo de todo o mandato, de desacreditar a instituição. Todo o mandato ele teve. Desacreditou vacina, desacreditou a ciência, desacreditou o covid-19, disse que era uma gripezinha, que, sabe, que as pessoas paravam de respirar por outros problemas, que a vacina fazia as pessoas virarem gay, a vacina fazia as pessoas virarem jacaré.
Ele tem nas costas, possivelmente, a responsabilidade pela morte de mais de 300 mil pessoas das 700 [mil] que morreram. Então, ele está sendo julgado, não pelo crime que ele cometeu, com várias provas. Se o ministro Fux não quiser as provas, é um problema dele. Eu acho que as provas estão fartas. E o ex-presidente, covardemente, articulou tudo, pensou tudo e não teve coragem. Foi embora por quê? Porque no dia 1º [de janeiro de 2023] tinha muita gente aqui na rua. Ele teve medo. Então, ele esperou para o dia 8 de janeiro, achando que nós íamos ficar com medo. E o que aconteceu é isso. Esse país tem justiça, esse país tem instituição. Esse país, depois de 23 anos de regime autoritário, vive no Estado de Direito Democrático. E ele está sendo julgado pela mesma corte que me julgou.
Adriana Araújo: Presidente, a oposição, os apoiadores de Bolsonaro disseram que o voto do ministro Fux é uma aula de direito. Já os aliados do governo apontam uma contradição muito forte, em que o senhor citou a “Operação Punhal Verde Amarelo”, em que o ministro enxergou as provas da Punhal Verde Amarelo, admitiu que esse plano de executar, de matar o senhor, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes começou a ser executado e condenou Mauro Cid e também Walter Braga Netto, mas não condenou o chefe de Mauro Cid nem o candidato a presidente da República, e sim o vice.
Lula: Eu não vou dizer nada, mas, apenas para as pessoas lembrarem, é que neste caso, a teoria do domínio do fato não funcionou. Porque no julgamento do mensalão, como não tinha a prova contra o Zé Dirceu, eles criaram a teoria do domínio do fato para poder condenar. E agora o responsável foi absolvido, não teve teoria do domínio do fato.
Quem mandou acontecer tudo isso, obviamente, foi o ex-presidente Bolsonaro. Ele sabe disso. Ele sabe disso, como agora o filho dele está nos Estados Unidos, a serviço dele, tentando instigar o governo americano contra o governo brasileiro, os Estados Unidos contra o Brasil, numa demonstração de traição à pátria jamais vista na história do Brasil.
Este rapaz [Eduardo Bolsonaro], do que ele está fazendo com o Brasil, Joaquim Silvério dos Reis é um trombadinha perto dele, o que traiu Tiradentes. Porque esse cidadão está traindo a nação de 215 milhões de habitantes. Está lá implorando para que o presidente Trump tome atitude contra o Brasil. Esse menino tem que ser expulso da Câmara dos Deputados. Não sei por que não foi ainda, ser expulso. E esse cidadão tem que ser processado, porque isso chama-se traição à pátria. E traição à pátria, Adriana, chama-se traição ao povo brasileiro.
Adriana Araújo: A expectativa, presidente, é que o julgamento se encerre com a condenação de Bolsonaro. O senhor teme que, com isso, novas sanções contra o Brasil e contra autoridades do governo ou da justiça venham?
Lula: Não temo, não temo. Ou seja, não temo e acho que o presidente…
Adriana Araújo: Mas acha que vem?
Lula: Eu não sei. Eu não posso dizer, não pode ficar tentando adivinhar. As sanções já impostas ao Brasil são todas falsas, e o presidente Trump sabe que é mentira o que foi falado sobre o Brasil. É mentira que ele tem déficit comercial. É arrogância dele não querer que a justiça brasileira julgue alguém que cometeu um crime, segundo a própria Justiça compreende como crime. Ora, um presidente de um país não pode ficar interferindo nas decisões soberanas de outro país. Então, se ele vai tomar outras atitudes, é um problema dele. Nós iremos reagir na medida em que as medidas forem tomadas.
Adriana Araújo: O senhor planeja tomar alguma outra atitude, alguma outra atitude diplomática para contatar diretamente Donald Trump, que não seja uma fala política que possa ser interpretada como provocação?
Lula: Adriana, veja, primeiro é o seguinte, não tem provocação. Qualquer coisa que nós fizermos, daqui para a frente, é uma resposta à provocação feita ao Brasil. Como é que você acha que um presidente da República do Brasil se sente quando um presidente da República de um país taxa os seus produtos em 50%, alegando que tem déficit comercial, quando ele teve, em 15 anos, um superávit de 410 bilhões de dólares?
Como é que você quer que reaja um presidente da República quando um presidente de outro país diz que as big techs deles não podem ser reguladas aqui no Brasil, sabendo que o nosso país tem uma Constituição e que as leis, aqui no Brasil, valem para as empresas brasileiras e para as empresas estrangeiras fixadas no Brasil?
Ao mesmo tempo, ele [Trump] diz que é preciso parar com o processo contra o ex-presidente (Bolsonaro). Não! Se o presidente Trump morasse no Brasil e tivesse feito o que ele fez no Capitólio, ele estaria sendo julgado aqui também. Porque aqui tem lei para todo mundo. A lei vale para oposição, vale para situação, vale para deputado, vale para quem não é deputado, vale para pobre, vale para rico. É uma lei só. E tem uma Constituição da qual eu tenho o prazer de ter participado da construção dessa Constituição. Então, este país, hoje, ensina a fazer democracia.
Adriana Araújo: Nesse momento, não tem um novo gesto que o senhor possa adotar? Eu compreendi dessa forma.
Lula: Nós iremos tomar todos os gestos que forem necessários, toda reciprocidade. O que for necessário a gente dar aos Estados Unidos, a gente vai dar. Como estou me comportando, Adriana, é com muito cuidado e com muita sutileza democrática. Eu tenho meu vice-presidente, o Alckmin, que vocês e o Brasil conhecem muito bem. Eu tenho o ministro Fernando Haddad e o ministro Mauro Vieira, que são os meus negociadores para dizer para os Estados Unidos, sabe, ‘o Lulinha paz e amor está à disposição para negociar’. Eu não quero briga nem com a Bolívia, nem com o Uruguai e muito menos com os Estados Unidos e com a China. Eu quero paz e amor, eu quero paz e desenvolvimento, eu quero paz e crescimento econômico, eu quero paz e harmonia. É por isso que o Brasil é um país que não tem contencioso com nenhum país.
Adriana Araújo: Preciso perguntar de política, antes que o nosso tempo termine.
Presidente Lula: Eu tenho todo o tempo do mundo.
Adriana Araújo: Lula e Tarcísio de Freitas em 2026? Isso está definido? Vai ser esse o cenário?
Lula: Eu não escolho adversário, ou seja, os partidos é que escolhem os candidatos e indicam quem bem entender. Eu não tenho problema com o adversário. Eu já disputei contra Ulysses Guimarães, Maluf, Mário Covas, Serra, Alckmin…
Adriana Araújo: Mas é o cenário mais provável, o senhor acha?
Lula: Eu não sei. Eu não sei qual é o cenário provável. Eu sei que está chegando o ano. Todos os partidos vão ter que definir seus candidatos. Eu ainda não me defini como candidato. Você falou de mim, mas é o seguinte…
Adriana Araújo: Mas basta observar seus discursos…
Lula: Não. Deixa eu lhe falar uma coisa! Eu me cuido. Eu me cuido porque eu acho o seguinte: eu não consigo evitar que os anos passem. Eu vou fazer 80 anos no dia 27 de outubro. Se você puder, pode mandar um presente, o Johnny (Saad, presidente do Grupo Bandeirantes) pode mandar um presente, ou seja…
Adriana Araújo: Vou mandar!
Lula: Eu vou fazer 80 anos. Eu não evito que os anos passem, mas eu evito o envelhecimento precoce. Eu quero te dizer que eu estou com 80 anos de idade, mas eu duvido que tenha muita gente de 30 que consiga fazer uma agenda comigo.
Adriana Araújo: Estou entendendo que o senhor está dando sinais claros de que já é candidato.
Lula: Porque eu quero viver muito. E eu posso te dizer uma coisa: o PT pode encontrar um candidato, os partidos que estão comigo podem encontrar um candidato. Não tem problema nenhum. Eu não sou candidato de mim mesmo. A única coisa que eu quero te dizer, olhando para você e olhando para a câmera da [TV] Bandeirantes, é que, se eu estiver do jeito que eu estou hoje, a extrema direita jamais voltará a governar este país. Democracia, sempre.
Adriana Araújo: Uma avaliação sobre a fala de Tarcísio de Freitas no 7 de setembro, quando ele chamou Alexandre de Moraes de tirano e atacou o STF?
Lula: Eu acho que mais grave não foi isso. Mais grave foi o sermão que ele tomou do pastor Malafaia. Um governador do estado de São Paulo, gente, o estado mais importante, precisa ter um comportamento, no mínimo, respeitoso consigo mesmo. Ele não poderia falar o que ele falou do Alexandre de Moraes.
O que o Tarcísio demonstrou ali? O Tarcísio demonstrou que ele não é nada mais, nada menos que um serviçal do Bolsonaro. Ele demonstrou isso. Ele não é nada mais, nada menos que um serviçal do Bolsonaro. Ou seja, ele faz o que o Bolsonaro quiser. Ele não tem personalidade própria. A verdade é a seguinte! Eu já estive com o Tarcísio algumas vezes. Até convidei ele para almoçar comigo, aqui no Palácio [do Alvorada]. Ele almoçou comigo. Ele, comigo, falou uma coisa, muito simpático, tudo. E por detrás, ele só fala mal. Ou seja, ele tem todo o direito de ser candidato a presidente da República. Se comporte e seja candidato, e vamos ver.
Vamos permitir que o povo escolha quem vai governar este país. Vamos permitir. E na hora da escolha do povo, o povo vai ver o que ele fez e o que ele não fez. O povo vai medir. Não é pelo discurso. O povo vai medir é quem fez e quem não fez as coisas, quem entregou e quem não entregou neste país. E nesse aspecto, eu me coloco à disposição de tantos quantos queiram ser candidatos, para a gente medir quem é que fez as coisas por este país.
Eu, Adriana, eu sou muito feliz pelo seguinte: este país fazia 15 anos que não crescia acima de 3%. Precisou eu voltar para ele crescer. Este país, quando eu deixei a presidência, produzia 3,5 milhões de carros. Quando eu voltei, produzia só 1,6 milhão. Nós vamos voltar a produzir 3,5 milhões. Porque se tem uma coisa que eu sei é fazer com que o país cresça, gere emprego, aumentar salário mínimo e fazer benefício para as pessoas que mais precisam.
Meu lema é simples, é o seguinte: muito dinheiro, na mão de poucos, significa pobreza no país. Pouco dinheiro, na mão de todos, significa distribuição de riqueza. E é isso que eu quero.
Adriana Araújo: Para apresentar essa entrevista na íntegra, eu tenho um minutinho para a gente terminar e te pergunto sobre juros. O senhor parou de reclamar de juros e eles continuam num patamar exorbitante, 15%, que inviabiliza negócios e deixa a população endividada, numa situação de sufoco.
Lula: Eu não parei de reclamar de juro. É que eu não vou falar mal do Galípolo [presidente do Banco Central], publicamente, ou seja, indicado por mim. O Galípolo sabe que a taxa de juro está alta. Eu sei. Você sabe. Todo mundo sabe. O que é preciso saber é o seguinte: qual é o timing de você começar a baixar isso. Nós estamos controlando a inflação. A inflação, hoje, está metade daquela que eu recebi e nós vamos baixar mais a inflação.
Adriana Araújo: O timing é ano que vem?
Lula: Não vou dizer que é ano que vem. Pode ser este ano ainda, mas ela vai começar a baixar. Mas tem que começar a baixar com muita, mas com muita sobriedade, com muita sustentabilidade. Porque a gente não pode ficar, também, numa gangorra. Eu acho que, embora a gente esteja com juros altos, a verdade nua e crua é que nós nunca tivemos a quantidade de investimento que nós temos hoje, Adriana.
Só para você ter ideia, na “Nova Indústria Brasil”, nós temos R$ 642 bilhões de crédito para criar a nova indústria. Fazia décadas que a indústria brasileira não crescia. Cresceu 3,4%. Então, as coisas estão acontecendo. Você sabe que eu sei como é que a gente faz as coisas. A gente começa… Eu nunca fui de discutir a macroeconomia, “a macroeconomia, a macroeconomia”. Eu discuto a microeconomia. Eu quero saber se o dinheiro está chegando lá embaixo. Quando o dinheiro chega lá embaixo, as pessoas vão comprar o que comer, vão comprar o que vestir, vão comprar o que usar dentro de casa. Quando chega lá em cima, vai para o banco especular.
Adriana Araújo: E eu vou te agradecer, presidente, por essa entrevista ao Jornal da Band, com exclusividade. Vou deixar aqui já o convite do Mitre. O Canal Livre está esperando o senhor, na oportunidade que o senhor tiver. Muito obrigada!
Lula: Eu não sei se você percebeu, Adriana, estava com muita vontade de perguntar e eu com muita vontade de responder. Se prepare, Mitre (diretor nacional de jornalismo da Rede Bandeirantes), que nós vamos nos encontrar.