A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) registrou 144 casos de agressĂ”es contra profissionais da imprensa ao longo de 2024. O nĂșmero Ă© o menor desde 2018 e representa queda de 20,44% em relação a 2023, quando foram contabilizados 181 casos.
Os dados fazem parte do RelatĂłrio da ViolĂȘncia contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil 2024, divulgado nesta terça-feira (20). Apesar da redução no nĂșmero de casos, a Fenaj avalia que a violĂȘncia contra jornalistas no paĂs segue em patamar preocupante.
âO que chama a atenção da federação Ă© o fato de ainda estarmos vivendo um patamar elevado de violaçÔes ao direito de informar. Porque os 144 casos ainda sĂŁo maiores do que os 135 registrados em 2018â, avaliou a presidente da Fenaj, Samira de Castro, durante audiĂȘncia pĂșblica na CĂąmara dos Deputados.
Samira ressalta que a violĂȘncia explode no Brasil a partir do ano de 2019, com o governo anterior, de Jair Bolsonaro. “A gente tem que fazer esse marcador, que nĂŁo Ă© um marcador meramente cronolĂłgico, mas resulta do fato da violĂȘncia ter sido institucionalizada durante aqueles quatro anos.â
âAo proferir discursos que descredibilizavam jornalistas, ao atacar veĂculos de imprensa, aquele governo acabou gerando um clima beligerante contra a imprensa de uma forma geralâ, completou Samira.
Para a presidente da Fenaj, os dados corroboram um cenĂĄrio de violĂȘncia persistente contra profissionais da imprensa e sugerem que a prĂĄtica pode estar se tornando estrutural na sociedade brasileira. âVirou comum atacar jornalista. E nĂŁo Ă© porque vocĂȘ Ă© crĂtico ao trabalho da imprensa. NĂŁo Ă© issoâ.
âA imprensa precisa ser criticada, precisa ser avaliada. Mas muitos casos acontecem vindos de polĂticos, assessores, correligionĂĄrios e eleitores que simplesmente se acham no direito de ameaçar, agredir e processar jornalistasâ, explicou.
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Tipos de violĂȘncia
Entre os tipos de violĂȘncia citados como mais recorrentes, o relatĂłrio aponta um crescimento proporcional do assĂ©dio judicial, que passou de 13,81% do total de casos em 2023 para 15,97% em 2024, somando 23 registros.
A Fenaj destaca que o termo âcerceamento por meio de ação judicialâ foi substituĂdo por âassĂ©dio judicialâ para explicitar âo carĂĄter abusivo e recorrente dessas açÔes, muitas vezes promovidas por polĂticos, empresĂĄrios e lideranças religiosas, com o objetivo de intimidar e censurar jornalistasâ.
Outro dado classificado como preocupante Ă© o aumento de 120% nos casos de censura, que saltaram de cinco para 11 episĂłdios no perĂodo, impulsionados, segundo a federação, sobretudo por decisĂ”es judiciais e pressĂ”es de agentes pĂșblicos.
JĂĄ os casos de agressĂ”es fĂsicas caĂram de 40 para 30 registros, uma redução de 25%. âApesar disso, a Fenaj alerta que os episĂłdios continuam sendo alarmantes, incluindo tentativas de homicĂdio e ataques com arma de fogoâ.
As ameaças e intimidaçÔes, por sua vez, somaram 35 ocorrĂȘncias, o equivalente a 24,31% do total, mantendo-se estĂĄveis em nĂșmeros absolutos.
EleiçÔes
Durante o perĂodo eleitoral de 2024, entre maio e outubro, foi registrado o maior nĂșmero de ataques contra jornalistas: 38,9% dos casos, com julho sendo o mĂȘs mais violento do ano. A entidade atribui esse aumento âao acirramento do discurso de Ăłdio, em especial, promovido por grupos de extrema direitaâ.
Locais mais violentos
A RegiĂŁo Sudeste concentrou o maior nĂșmero de casos de violĂȘncia contra profissionais de imprensa em 2024, com 38 episĂłdios â 26,39% do total. O Nordeste aparece em segundo lugar, com 36 casos â 25% do total. Juntas, as duas regiĂ”es respondem, portanto, por mais de 51% dos episĂłdios registrados no relatĂłrio.
Em termos absolutos, houve crescimento do nĂșmero de casos nas regiĂ”es Norte (que passou de 19 para 22 casos) e Sul, com 31 casos, contra 30 no relatĂłrio anterior.
JĂĄ a maior redução foi registrada no Centro-Oeste, onde os casos caĂram de 40 para 17. âA queda Ă© expressiva, mas hĂĄ suspeitas de subnotificação, jĂĄ que parte dos ataques pode nĂŁo ter sido reportada aos sindicatosâ, avaliou a Fenaj.
âNos anos anteriores, a regiĂŁo â especialmente o Distrito Federal â havia liderado o ranking nacional, impactada por ataques verbais e simbĂłlicos institucionalizados durante o governo de Jair Bolsonaroâ, completou a entidade.
A Bahia segue como o estado com mais registros (nove), seguida por Alagoas e ParaĂba (seis casos cada). O MaranhĂŁo contabilizou quatro registros, sendo um deles, segundo a Fenaj, um dos mais graves de 2024: um incĂȘndio criminoso Ă sede da TV Cidade, em CodĂł, e uma ameaça de morte a um repĂłrter.
CearĂĄ e Pernambuco apresentaram trĂȘs ocorrĂȘncias cada â metade dos nĂșmeros de 2023. Rio Grande do Norte e PiauĂ tiveram dois casos, e Sergipe, um.
O Sudeste continua concentrando o maior nĂșmero absoluto de casos: 38 no total. SĂŁo Paulo lidera com 23 ocorrĂȘncias, respondendo por 60,5% da regiĂŁo e quase 16% do total nacional. A maior parte dos ataques ocorreu fora da chamada âgrande mĂdiaâ, em cidades menores. O Rio de Janeiro teve nove casos, Minas Gerais, cinco, e o EspĂrito Santo, um.
No Sul, o nĂșmero passou de 30 para 31. O ParanĂĄ responde pelo maior salto na regiĂŁo, de 11 para 15 casos, e passou a responder por 10,42% dos casos nacionais. Rio Grande do Sul e Santa Catarina registraram oito ocorrĂȘncias cada, sendo que Santa Catarina registrou um caso a mais que no ano anterior.
A RegiĂŁo Norte que, no ano anterior era a menos violenta para jornalistas, passou de 19 para 22 casos. O Amazonas lidera com oito registros, seguido pelo ParĂĄ (seis), Tocantins (trĂȘs), Acre (dois), por RondĂŽnia (dois) e Roraima (um). O AmapĂĄ nĂŁo teve ocorrĂȘncias registradas, mas, segundo a federação, hĂĄ possibilidade de subnotificação. O ParĂĄ mostra queda consistente desde 2022, quando teve 21 casos.
Agressores
O relatĂłrio aponta que polĂticos seguem liderando o ranking dos agressores a profissionais de imprensa. Em 2024, 48 episĂłdios envolveram agressĂ”es fĂsicas e verbais, tentativas de intimidação, ofensas em atos pĂșblicos de campanha, tentativas de censura a matĂ©rias e assĂ©dio judicial, um dos itens que mais cresceu no Ășltimo perĂodo.
âA esses 48 agressores polĂticos, que representaram 33,33% de todos os ataques, acrescente-se apoiadores diretos (cinco ocorrĂȘncias), manifestantes de extrema direita (seis casos) e servidores pĂșblicos ou ĂłrgĂŁos como prefeitura e governo de estado (nove casos), que, em Ășltima anĂĄlise, estĂŁo a serviço de interesses de polĂticosâ, destacou a Fenaj.
ViolĂȘncia por gĂȘnero
A violĂȘncia de gĂȘnero, segundo a federação, Ă© outro ponto de atenção. De acordo com o relatĂłrio, jornalistas mulheres nĂŁo aparecem numericamente como alvos preferenciais, mas sĂŁo vĂtimas de ataques misĂłginos, incluindo insultos, desqualificaçÔes profissionais e ameaças simbĂłlicas.
Em 2024, foram contabilizadas 81 vĂtimas do sexo masculino, 47 do sexo feminino e 26 casos configurados como ataques coletivos ou contra profissionais de maneira genĂ©rica em uma determinada mĂdia. Ao todo, 52,6% dos registros tiveram como alvo jornalistas do sexo masculino; 30,52%, mulheres; e 16,86% foram ataques coletivos ou em que nĂŁo foi possĂvel apurar o gĂȘnero.
Nenhum ataque a jornalistas trans foi relatado.
CenĂĄrio internacional
Em 2024, 122 jornalistas foram assassinados em todo o mundo, com a maioria das mortes registrada na Faixa de Gaza. O relatório também alerta para riscos à liberdade de imprensa com a reeleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos e o papel das big techs na disseminação de desinformação e na tolerùncia a projetos autoritårios.
âPara a Fenaj, os dados exigem atenção e ação imediataâ, destacou a nota. âA entidade reforça a necessidade de garantir salĂĄrios dignos, segurança no trabalho e combate sistemĂĄtico aos discursos de Ăłdio, especialmente com a aproximação do prĂłximo ciclo eleitoral em 2026.â