Grupo de mulheres do DF acusa agĂȘncia de modelos de golpe

Na correria de cada dia, se Ana*, de 28 anos, parar o trabalho autĂŽnomo que realiza significarĂĄ prejuĂ­zo. Em junho, ela recebeu uma mensagem por uma rede social com convite para ser modelo para a agĂȘncia Brain, em BrasĂ­lia. O que parecia esperança de uma nova profissĂŁo se transformou em prejuĂ­zo financeiro e dor de cabeça.

Segundo a proposta, Ana faria trabalhos como modelo, mas precisaria pagar cerca R$ 2 mil para um agenciador divulgar fotos dela para potenciais clientes. Ela acreditou na agĂȘncia e tirou dinheiro atĂ© do cheque especial. Estava desesperada e mergulhada em dĂ­vidas. 

O Ășnico trabalho que ela teve foi supostamente para uma loja de Ăłculos, que renderia a ela R$ 700. Esse valor entrou como desconto no valor que ela pagaria ao agenciador. “Me senti muito enganada. Nunca mais teve trabalho nenhum”. 

A histĂłria dela ocorreu com outras jovens nos Ășltimos meses.

Aos poucos, essas clientes se conheceram e descobriram que passaram pela mesma situação: prejuĂ­zo e nenhum trabalho como modelo. Elas formaram um grupo em um aplicativo de mensagens, intitulado “Enganados pela Brain”, e trocaram as experiĂȘncias, que eram muito similares.

Ação na Justiça

Algumas pessoas aceitaram o prejuízo, mas pelo menos 10 clientes entraram com uma ação em um processo cível. A Brain tem até a próxima semana para responder às acusaçÔes. A advogada do grupo, Amanda Cristina Barbosa, disse que o processo busca rescisão contratual e devolução dos valores pagos.

O processo total tem um valor aproximado de R$ 53 mil. A agĂȘncia de modelos tem atĂ© semana que vem para apresentar defesa. NĂŁo houve atĂ© agora movimento para uma conciliação entre as partes. 

AlĂ©m dos valores financeiros, o episĂłdio frustrou as expectativas dessas pessoas. “Surgiu uma mensagem pelo Instagram prometendo trabalhos remunerados em função do meu perfil”, afirmou Ana. Na mensagem, havia a informação de que ela havia sido selecionada para fazer fotos para a loja de Ăłculos.

Problemas financeiros


BrasĂ­lia (DF), 17/09/2025 - Golpe de agĂȘncia em modelos. Modelo sendo maquiada em camarim. Foto: Bruno Peres/AgĂȘncia Brasil
BrasĂ­lia (DF), 17/09/2025 - Golpe de agĂȘncia em modelos. Modelo sendo maquiada em camarim. Foto: Bruno Peres/AgĂȘncia Brasil

Modelo sendo maquiada em camarim. Foto: Bruno Peres/AgĂȘncia Brasil

“Eu estava desempregada, trabalhando de forma autĂŽnoma, com problemas financeiros e esgotada”, contou. Quando ela foi atĂ© a agĂȘncia, pediram que ela decorasse um texto e que escolheriam a melhor para uma propaganda. 

Quando Ana foi informada que poderia usar o cachĂȘ das fotos para abater a dĂ­vida que teria com agenciador, desconfiou que poderia haver algo de errado. Mas, mesmo assim, dividiu os R$ 1,3 mil em parcelas no cartĂŁo. 

Passaram-se semanas e meses. Nunca apareceu outro trabalho. “Eles só receberam meu dinheiro e esqueceram que eu existo”.

Elogios e promessas

História semelhante foi vivida por Iara*, de 25 anos, que foi procurada por rede social em julho. Segundo ela, uma pessoa se disse produtora da Brain, falou que viu o perfil dela, a encheu de elogios e teria garantiu que “ganharia dinheiro”.

“Fui muito bem tratada por todos e me colocaram dentro de uma sala e tiraram umas fotos minhas. Fizeram vĂĄrias promessas. Se eu fechasse com eles, eu ia ter de dois a trĂȘs trabalhos por mĂȘs”.

Ela tambĂ©m dividiu o pagamento dos R$ 1,3 mil em 10 prestaçÔes. “Eu me inscrevi em todos os castings [seleção de modelos para trabalhos] e eles nunca me chamaram”, lamentou. 

Na sequĂȘncia, representantes da empresa teriam dito que, para ter mais chances de ser contratada, deveria pagar mais R$ 5 mil para “comprar seguidores” no Instagram. Essa sugestĂŁo, no entanto, ela nĂŁo seguiu.

JĂĄ no caso de Teresa*, de 25 anos, a agĂȘncia de modelos a procurou oferecendo trabalhos para ela e para o filho, de 8 anos de idade. Segundo ela estariam garantidos pelo menos trĂȘs trabalhos por mĂȘs para ambos. O contrato foi de R$ 5 mil. Ela pagou o valor, mĂŁe e filho fizeram o trabalho para a Ăłtica e nĂŁo houve nenhum outro serviço.

“Uma furada”

Em conversa com a reportagem da AgĂȘncia Brasil, uma ex-funcionĂĄria da agĂȘncia afirmou que foi contratada para captar potenciais modelos. Segundo ela, nĂŁo era novidade para os funcionĂĄrios da Brain que os contratos nĂŁo renderiam resultados para as clientes. 

Ela explica que a meta era tentar captar, no mĂ­nimo, 100 “modelos” por dia, via redes sociais ou em visitas a shopping centers. “A gente recebia a orientação para elogiar muito a pessoa”. Ela concordou em falar com a reportagem para fazer um alerta Ă s potenciais vĂ­timas do suposto golpe. “Isso Ă© uma furada”, opina.

O grupo de mulheres ingressou apenas com um processo cível. No entanto, segundo o advogado criminalista Jaime Fusco, as condutas podem configurar o tipo penal de estelionato, ao prometerem oportunidade de emprego. 

Para o jurista, a pråtica deveria ser denunciada à Delegacia de Polícia especializada em crimes de fraude e também levar ao Ministério do Trabalho, para que este tome medidas de encerrar a pråtica. 

AgĂȘncia nega acusaçÔes

A defesa da agĂȘncia Brain, representada pelo advogado Marcos Albrecht, negou que existam promessas de emprego. Ele diz que as pessoas procuradas assinam um contrato explicando que nĂŁo hĂĄ garantia de trabalho. “Se houve algum tipo de promessa, estĂĄ fora do padrĂŁo da empresa. NĂŁo Ă© para ocorrer”.

AlĂ©m do posicionamento do setor jurĂ­dico, a empresa tambĂ©m se manifestou por nota. Nela, a Brain refuta “veementemente qualquer alegação de engano ou promessa inexistente”. AlĂ©m disso, alega nĂŁo ter sido intimada ou convocada para responder a nenhum processo movido por clientes ou agenciados.

A empresa ainda negou que exista meta de abordagem de futuros modelos. “A hipĂłtese de alguĂ©m abordar 100 pessoas por dia seria humanamente impossĂ­vel dentro dessa rotina”.

A respeito da acusação que a Brain orientaria clientes a “comprar seguidores” em redes sociais, a empresa afirma que houve foi uma publicação interna na comunidade da agĂȘncia para que as pessoas fizessem estratĂ©gias legĂ­timas de crescimento digital. “Jamais houve orientação para compra de seguidores, prĂĄtica que a Brain repudia”.

“Queixas nunca chegaram”

A empresa acrescentou que iniciou açÔes entre 2017 e 2018 e nunca recebeu reclamaçÔes do tipo. “As queixas diretas com esse teor nunca chegaram Ă  agĂȘncia”, pondera. No entanto, todas as pessoas ouvidas pela reportagem informam terem reclamado da falta de retorno por parte da Brain.

Ela, por sua vez, alega que sempre busca conciliação. “PorĂ©m, nĂŁo sabemos quem sĂŁo as pessoas citadas, o que torna difĂ­cil compreender o contexto das supostas insatisfaçÔes”.

A loja Oculum, que promoveria o primeiro trabalho para os aspirantes a modelos, teria um contrato firmado com a Brain e renovado quatro vezes consecutivas. “A agĂȘncia Ă© responsĂĄvel pela criação de todo o material de marketing da marca em BrasĂ­lia e pelas açÔes que envolvem a conexĂŁo de influenciadores e celebridades”.

A Brain alega ainda que recebe um valor mensal fixo pela prestação de serviços com a loja de Ăłculos. “Os agenciados aprovados recebem crĂ©ditos em Ăłculos ou podem abater o valor equivalente no investimento de agenciamento”.

A agĂȘncia ainda garantiu que cumpre as obrigaçÔes contratuais e comerciais. “Reafirmamos que a Brain Ă© uma agĂȘncia sĂłlida, idĂŽnea e comprometida, que hĂĄ anos movimenta o mercado com trabalhos reais, parcerias verificĂĄveis e entregas comprovadas”.

*nome fictĂ­cio, a pedido das entrevistadas


AGÊNCIA BRASIL