A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) validou, por 3 votos a 2, em julgamento realizado nessa terça-feira (16), a abordagem e a busca pessoal feita por policiais apĂłs suspeitarem apenas da reação de alguĂ©m ao vĂȘ-los.
O caso representa uma mudança no entendimento do colegiado, que nos Ășltimos anos vinha adotando posição mais rĂgida e anulando diversas buscas pessoais, veiculares e domiciliares realizadas sem mandado judicial, pois tinham como justificativa apenas alguma denĂșncia anĂŽnima ou a âintuição subjetivaâ de policiais em sua atividade de rotina.
Em outras palavras, trata-se do famoso âbaculejoâ ou âenquadroâ, como a prĂĄtica de revista pessoal e aleatĂłria por policiais Ă© popularmente conhecida no Brasil.
Contudo, ao julgar um habeas corpus (HC) nesta terça, a Sexta Turma formou nova maioria para validar uma condenação de cinco anos e seis meses de prisĂŁo por trĂĄfico de drogas, que teve como ponto de partida uma abordagem policial justificada apenas pela âatitude suspeitaâ de um homem.
No caso concreto, policiais militares de GoiĂĄs relataram ter abordado o homem porque ele usava tornozeleira eletrĂŽnica e conversava com outra pessoa que estava em um carro e demonstrou nervosismo ao ver a viatura identificada. A atitude foi considerada suspeita pelos agentes.
Ao ser abordado, o suspeito confessou estar vendendo drogas e, segundo a polĂcia, autorizou a entrada dos agentes na residĂȘncia, onde entorpecentes foram encontrados.
O relator do caso, ministro Og Fernandes, considerou que houve âfundadas razĂ”esâ para a abordagem policial, com base no contexto e no ânervosismoâ do suspeito, e que o flagrante de drogas e a confissĂŁo de trĂĄfico ainda do lado de fora da residĂȘncia justificam a busca domiciliar feita sem mandado.
Og aplicou uma tese estabelecida em 2015 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), segundo a qual a entrada em domicĂlio sem mandado Ă© legal âquando amparada em fundadas razĂ”es, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delitoâ.
Seguiram o relator os ministros Antonio Saldanha Palheiro e Carlos Pires Brandão, que tomou posse no cargo no fim de agosto e substituiu o desembargador convocado Otåvio de Almeida Toledo, do Tribunal de Justiça de São Paulo, que atuava interinamente na Sexta Turma e mantinha posicionamento contrårio à abordagem policial baseada somente num julgamento subjetivo dos agentes de segurança.
Com o voto de Brandão, portanto, a Sexta Turma assumiu posição contråria à que vinha adotando desde 2022. Naquele ano, também no julgamento de um HC, o colegiado considerou ser ilegal qualquer revista pessoal justificada exclusivamente pela suspeita dos policiais sobre o comportamento de pessoas na rua.
DivergĂȘncia
Dessa maneira, os ministros SebastiĂŁo Reis JĂșnior e RogĂ©rio Schietti passaram a ficar vencidos na questĂŁo. Para eles, a reviravolta no entendimento da turma representa um retrocesso na garantia de direitos individuais e abre caminho para condutas âarbitrĂĄriasâ por parte dos agentes estatais.
Ao divergir, Schietti proferiu um voto mais longo, em que disse se preocupar com a mudança da jurisprudĂȘncia da Sexta Turma.
âEstamos voltando aos tempos em que a polĂcia, simplesmente alegando a suspeita de alguĂ©m por nervosismo, autorizava, com esse nervosismo, algo absolutamente subjetivo, a abordagem policialâ, criticou Schietti.
“Nessa turma eu vejo que estamos caminhando para um retorno a um status quo que consolida um autoritarismo que marca a atuação do Estado perante o indivĂduo.â
Schietti afirmou ainda que o tema âafeta a vida de qualquer pessoa que esteja transitando nas ruas e que possa estar sujeita a uma abordagem policial sem a objetividade que se espera, conforme o Estado DemocrĂĄtico de Direitoâ.
Por esse motivo, o ministro disse que pretende levar a discussĂŁo para a Terceira Seção do STJ, colegiado composto por um nĂșmero maior de ministros e responsĂĄvel por consolidar a jurisprudĂȘncia em questĂ”es criminais.